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Cultura Japonesa – finisgeekis http://www.finisgeekis.com O universo geek para além do óbvio Wed, 17 Mar 2021 19:21:27 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=5.7.11 https://i2.wp.com/www.finisgeekis.com/wp-content/uploads/2019/02/cropped-logo_square.jpg?fit=32%2C32 Cultura Japonesa – finisgeekis http://www.finisgeekis.com 32 32 139639372 De onde vem o fascínio dos animes com a Irlanda? http://www.finisgeekis.com/2021/03/17/de-onde-vem-o-fascinio-dos-animes-com-a-irlanda/ http://www.finisgeekis.com/2021/03/17/de-onde-vem-o-fascinio-dos-animes-com-a-irlanda/#comments Wed, 17 Mar 2021 19:21:27 +0000 http://www.finisgeekis.com/?p=22707 Em 2018, o site francês Manga-News perguntou a Nagabe qual era a história por trás do subtítulo de seu maior sucesso, A Menina do Outro Lado: Siúl a Run.

Senti que o entrevistador tinha lido minha mente. Eu sabia que Siúl a Rún ( “Ande, meu amor”), é uma música tradicional irlandesa. Mesmo após ler oito volumes de seu mangá, porém, não havia conseguido captar a conexão.

Será que a canção apareceria futuramente em algum momento de clímax? Será que o universo da história fictício seria cindido por uma guerra, como aquela a que seus versos se referem?

A resposta de Nagabe foi tão gélida quanto um banho de mar na Irlanda durante uma tarde de chuva:

“Eu não conhecia nada dessa música […]. Foi meu responsável editorial que, um dia, me trouxe um CD me dizendo “Escute bem essa canção, eu acho que a atmosfera corresponde ao seu mangá. Eu a escutei e achei que ela tinha uma linha melódica triste, mas ao mesmo tempo colorida de esperança, que ia perfeitamente com a atmosfera que eu gostaria de criar em “A Menina do Outro Lado”.

Verdade seja dita, saber que Nagabe escolheu seu título apenas porque soava bem não me impressona tanto assim. Rola na internet o rumor – talvez apócrifo- de que Hideaki Anno teria escolhido o  nome “Evangelion” porque a palavra soava difícil. Miyazaki confessou que puxou sua Nausicaa de um dicionário de mitologia (embora, anos depois, tenha lido de fato a Odisseia).

Não há nada errado em se inspirar em uma música por conta da vibe. Ainda mais em uma canção que tem alguma penetração no Japão, tendo já sido gravada por intérpretes locais.

Álbum da cantora KOKIA, com faixas em irlandês, inclusive “Siúl a Rún”.

O que me chamou a atenção é que esse está longe de ser um incidente isolado. Para cada Fate/ ou Durarara! que aborda diretamente a cultura ou mitologia irlandesa, há um punhado de animes e mangá que parece se referir à Ilha Esmeralda sem uma razão muito específica.

Há um motivo para ‘Legend of Galactic Heroes’ possuir uma nave chamada Mannanan Mac Lir? Ou ‘Last Exile’ retratar uma nau batizada de ‘Claoímh Solais?

O que há na cultura irlandesa que atrai de tal forma os animes?

Para responder a essa pergunta, é preciso voltar no tempo.

Do Japão à Irlanda…

Seja qual for esse feitiço que une as duas culturas, els não é novo. Já no final do século XIX, um escritor criado em Dublin largou tudo o que tinha para construir uma vida em terras nipônicas.

Seu nome era Patrick Lafcadio Hearn, e ele se tornou o primeiro ocidental a fazer fama escrevendo sobre o folclore e as tradições japonesas. Sua obra mais conhecida, Kwaidan, é um compêndio de histórias de youkai, criaturas fantásticas – e muitas vezes assustadoras – da mitologia nipônica.

Primeira edição de “Kwaidan”, obra mais conhecida de Hearn

Hearn escrevia sobre temas japoneses, mas seu interesse em fantasmas e assobrações carregavam um toque da Dublin em que viveu. O escritor viveu nos anos da Renascença Literária Irlandesa, um importante movimento que repaginou as lendas e mitos gaélicos às sensibilidades do final do século XIX.

Em uma carta ao poeta e dramaturgo W.B. Yeats, um dos maiores expoentes do movimento, ele confessou ter sido influenciado por contos de fada narrados por sua babá irlandesa.

Lafcadio Hearn (também conhecido como Koizumi Yakumo) e sua esposa, Koizumi Setsuko

Hearn teve alguma influência na cena cultura japonesa. Um de seus maiores fãs foi Okuma Shigenobu, fundador da Universidade de Waseda, que o convidou para lecionar lá.

Seu verdadeiro impacto, porém, aconteceu no próprio Ocidente. Hearn estava na posição privilegiada de ser um dos poucos ocidentais escrevendo em inglês sobre um Japão, em uma época em que o interesse pelo país estava nas alturas.

Em grande parte, isso se deveu à Exposição Universal de 1900, de que o país participou com seu próprio pavilhão. Todos os países da Europa queriam saber mais sobre essa nação misteriosa e sua cultura diferente.

Pavilhão japonês na Exposição Universal de 1900, em Paris

A Irlanda, em particular, levou o fascínio a outro patamar. Yeats, conhecido de Hearn, ficou de tal forma fascinado com o teatro noh que decidiu escrever sua própria peça em estilo japonês, At the Hawk’s Well.

A obra passou no crivo dos próprios japoneses, que a adaptaram a sua língua duas vezes, em 1949 e 1967. Hoje, ela faz parte do repertório tradicional do teatro noh.

Montagem da peça Takahime, “At the Hawk’s Well”, co-organizada pelo ator noh Gensho Umekawa e o grupo musical irlandês Anúna.

e da Irlanda ao Japão

Mas será mesmo que é daí que vem a fascinação com a Irlanda no dias de hoje?

Sim, Hearn não passou batido aos holofotes da cultura pop. Um de seus contos foi adaptado às telas nos anos 1980. O mangaká Eiji Ohtsuka transformou sua vida em uma série chamada Yakumo Hyakkai (em referência a Yakumo Koizumi, o nome que adotou ao se naturalizar japonês). Touhou Project batizou duas de suas personagens em sua homenagem.

Capa do manga Yakumo Hyakkai

Mas esses exemplos são gotas d’água no oceano de Cúchullains, Diarmuid Ua Duibhnes e Cliffs of Mohers na cultura pop. E nada disso parece ter muito a ver com Hearn.

O escritor foi uma sensação no Japão de sua época. Porém, como lembra Rie Kido Askew, seu apelo sempre foi mais “cult” que mainstream. Por escrever em inglês, suas obras ficavam restritas aos japoneses que dominavam a língua estrangeira.

Ademais, o “fator novidade” que o tornou tão popular no ocidente não existia no circuitos nacionais. Afinal de contas, não havia falta de escritores japoneses escrevendo – em japonês – sobre sua própria cultura.

Se não fosse bastante, Hearn pode ter sido influenciado por histórias de fadas e deuses irlandeses, mas ele pouco fez para tornar esses mitos mais conhecidos no país em que escolheu morar.

De fato, por mais que olhamos as referências à Irlanda nos animes, mais parece que elas estão lá justamente por serem obscuras.

Segundo Rika Muranaka, compositora de Metal Gear Solid, a faixa The Best is Yet to Come foi cantada em irlandês porque Hideo Kojima disse que “não queria ouvir letra em inglês”, nem em nenhuma outra língua que ele reconhecesse.

Yoko Taro, criador da série Nier, deu instruções parecidas aos compositores Keichi Okabe e Emi Evans. “[T]er letras que você reconhece e entende pode distrai-lo do gameplay”, ele justifica. O resultado foram músicas cantadas em línguas inventadas – uma delas baseadas no gaélico escocês.

Em outras palavras, a língua irlandesa é conveniente porque não significa nada. Ou melhor, ela passa uma vibe genérica de “exotismo” capaz de intrigar até mesmo os japoneses mais viajados.

Ironicamente, é exatamente como muitas produções ocidentais lidam com a cultura japonesa de uma maneira cotidiana. Se obras do nosso hemisfério usam samurais, geishas e flores de cerejeira para carimbar uma personagem como “estrangeira”, animes e games nipônicos fazem o mesmo com os Túatha Dé Dánnan e viaturas da Garda Siochána.

Fractale

Mas isso também não explica tudo. Por que a Irlanda e não qualquer outro lugar da Europa – ou do Ocidente como um todo?

Talvez, porque Japão e Irlanda tenham mais em comum do que salta aos olhos à primeira vista. E não falo apenas de serem cercados pelo mar.

Soft power

A Irlanda é um país minúsculo nos confins da Europa – até recentemente, paupérrimo para os padrões do mundo desenvolvido. Porém, ela tem uma vantagem gigantesca sobre qualquer um de seus vizinhos: há irlandeses por toda parte.

O censo dos Estados Unidos estima que quase um em cada dez americanos tenham ascendência irlandesa, incluindo presidentes como John Kennedy, Barack Obama e Joe Biden. O primeiro ministro da Austrália declarou hoje que um terço do país têm raízes irlandesas. Isto sem contar imigrantes em países como Canadá, Chile, África do Sul e muitos outros.

Essa comunidade age como um “megafone” global para a cultura, língua e folclore do país. Além disso, gera um imenso mercado consumidor para as obras vindas da ilha, sejam os livros da Sally Rooney ou filmes do Cartoon Saloon.

E não falo apenas de gente com ascendência irlandesa, mas pessoas sem nenhum vínculo com a ilha que decidem provar uma Guiness ou arriscar uma cúpla focal depois de participarem de uma festa de São Patrício.

Tal como, aqui no Brasil, muita gente se apaixona pelo Japão porque cresceu frequentando a feirinha da Liberdade ou visitando o Kinkaku-Ji do Brasil.

Ambos os países têm de sobra o que cientistas políticos chamam de soft power: a capacidade de projetar sua influência não disparando balas, mas espalhando cultura. No caso da Irlanda, esse é um poder que chegou até à realeza japonesa.

Segundo o jornal Irish Times, a ex-imperatriz Michiko fala um pouco de irlandês, toca harpa e era amiga do poeta Séamus Heaney. Uma de suas filhas, a princesa Mako, fez parte de seus estudos no University College Dublin.

Se nada mais, as aristocratas estão afinadas com o interesse de seus súditos. Organizado pela primeira vez em 1992, a Festa de São Patrício já é um evento nacional no Japão. Em 2019, nada menos que 15 cidades organizavam paradas – em Tóquio, 130 mil pessoas tomaram as ruas.

Parada do dia de São Patrício em Tóquio, 2015. Foto de Yoshiaki Miura

Será que isso é o bastante para que a TG4, emissora irlandesa em língua gaélica, adicione animes a sua programação?

Provavelmente não. Mas eu continuarei na torcida. De preferência, acompanhado de um pint de Guinness.

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‘Showa Genroku Rakugo Shinju’: O lado exótico (e cômico) da cultura japonesa http://www.finisgeekis.com/2016/01/18/showa-genroku-rakugo-shinju-o-lado-exotico-e-comico-da-cultura-japonesa/ http://www.finisgeekis.com/2016/01/18/showa-genroku-rakugo-shinju-o-lado-exotico-e-comico-da-cultura-japonesa/#respond Mon, 18 Jan 2016 21:02:49 +0000 http://finisgeekis.com/?p=1574

Em um meio repleto de mechas, cenas de ação em CG e heroínas de cabelos coloridos, qual a chance de um drama histórico sobre pessoas normais fazer sucesso?

E se o anime em questão for focado em um estilo de teatro virtualmente desconhecido fora do Japão, que mesmo em seu país natal é considerado uma cultura de nicho?

E se, em adição a tudo isso, esse anime abrisse com um episódio de 50 minutos, dos quais 15 são ocupados por apresentações de duas performances na íntegra?

Em um mundo “normal”, nenhuma. Felizmente para nós, o universo otaku é tudo menos normal. É assim que Showa Genroku Rakugo Shinju, anime sobre um aprendiz de teatro rakugo, tornou-se um dos lançamentos mais badalados da última temporada.

A série inusitada se passa nos anos 1970 e acompanha Kyoji, um ex-presidiário que se apaixonou pelo teatro rakugo após assistir a uma performance do famoso ator Yakumo Yurakutei. Uma vez solto, Kyoji procura Yakumo e pede para se tornar seu aprendiz.

Nas palavras da Gabriella Ekens, do Anime News Network, esse é o enredo que esperamos encontrar em um filme concorrendo ao Oscar, não em um anime. A surpresa é sem dúvida maior para nós, ocidentais, do que para o público japonês. Em sua terra de origem, Showa Genroku Rakugo Shinju é a adaptação de um celebrado mangá vencedor de vários prêmios, incluindo o Kodansha. O próprio anime já teve um “teste de fogo” em dois OVAs produzidos pelo mesmo estúdio e lançados nas bancas com os últimos volumes do mangá.

Para uma série desse calibre, no entanto, qualidade é apenas o começo. É necessário, também, ser acessível. De um lado, não é a primeira vez que animes abordam o inabordável. Hikaru no Go, baseado no clássico e dificílimo jogo de estratégia oriental, fez tamanho sucesso que motivou vários fãs a estudar o jogo ou mesmo comprar seus próprios tabuleiros.

hikaru no go

Incluindo esse blogueiro que vos escreve

De outro lado, séries como Mad Men e Downtown Abbey popularizaram o drama histórico sério na geração atual. Entretanto,  seu apelo não atinge necessariamente o mesmo público – ou a mesma faixa etária – que a maioria dos animes comerciais.

Conseguirá Rakugo ganhar um espaço no coração dos otakus, tal como Hikaru no Go? Isto, só o tempo dirá. Uma coisa é certa: você dificilmente assistirá a um anime mais exótico esse ano.

Mas o que, afinal, é rakugo?

Em tempo: rakugo é uma espécie de “sit-downcomedy japonesa. Trata-se de um monólogo teatral em que o ator, sempre sentado e vestido com trajes formais, narra uma história cômica. Nas palavras de uma especialista, o rakugo é uma sitcom em que todos os papeis são interpretados por uma mesma pessoa.

rakugo phoebe

“Você sabia que 9 entre 10 casamentos terminam em divórcio?” “Phoebe, isso não é verdade!”

 

Como tudo o que vem do Japão, o segredo está nos detalhes. O artista de rakugo interpreta todas as personagens de sua história e usa linguagem corporal e mudanças de intonação para sinalizar os diversos papéis.

Para ajudá-lo, ele tem ao seu dispor apenas um leque e uma toalha. Por meio da mímica e muito faz-de-conta, estes objetos ganham vida como todo o tipo de aparato, de um par de hashi até armas de fogo.

rakugo prop

As apresentações geralmente começam no estilo de um stand-up ocidental, com uma roda de piadas e um momento para o ator “testar” a sua plateia. No caso de performances para ocidentais, ele geralmente inclui uma explicação sobre o próprio rakugo. Depois, o ator entra na história (ou histórias) propriamente ditas, que podem durar de alguns segundos a quase uma hora.

Para os curiosos, há alguns rakugokas (atores de rakugo) que se apresentam em inglês, e seus vídeos podem ser encontrados no YouTube. Um dos mais pitorescos é Katsura Sunshine, ou Sunshine-san, um canadense oxigenado que veste kimonos de folhas de maple:

Se você é fã de cultura japonesa e nunca ouviu falar de rakugo, não tenha medo. Sua carteirinha não será revogada. Rakugo é um gênero teatral notoriamente obscuro, e não por acaso.

Ao contrário de muitos stand-ups, as performances não são improvisadas. Tal como no antigo teatro grego, as histórias vêm (ou costumavam vir) de um cânone comum, e cabia aos atores apenas interpretá-las à sua maneira.

Considerando que o rakugo foi criado por monges budistas no século X e que várias das histórias datam do período Edo (1603-1868), trata-se de um humor bem específico… e bastante tradicional.

No final do primeiro episódio, Yakumo diz ao seu discípulo que só aceitará ensiná-lo caso ele o ajude a ressuscitar o rakugo. Independente do que aconteça no anime, fora das telas a série parece ter cumprido a missão. Basta pesquisar por “rakugo” no google para constatar que quase metade dos resultados dizem respeito ao anime.

Uma relíquia do passado…

Anos atrás, em uma conversa entre otakus, um amigo meu disse que todos os clichés de anime vêm do Genji Monogatari, o grande clássico da literatura japonesa escrito quase mil anos atrás.

genji-monogatari-chapter-35-2

“Não faça isso, Senpai!”

Ele talvez ficará contente em saber que não é o único a ter formulado essa ideia. Um estudioso da universidade Kwansei Gakuin, no Japão, acredita que não apenas o anime, mas toda a cultura cool japonesa teria suas raízes no passado antigo.

Essa é uma discussão interessante, que bate em uma questão ainda mais complicada e que já citei aqui antes: animes são, de fato, parte da cultura japonesa?

Muito embora o gênro esbanje samurais, geishas, uniformes de sailor e takoyaki, há quem diga que o formato do anime deve mais ao ocidente do que ao oriente. Isto inclui não somente as técnicas de animação, mas todo um modelo de produção de entretenimento importado dos Estados Unidos após o fim da Segunda Guerra. Para alguns, das influências de Walt Disney em Tezuka e Miyazaki às convenções de cosplay, a cultura pop japonesa pode ser tudo, menos made in Japan.

Se não fose o bastante, vários diretores, mangakás e mesmo artistas inspirados na estética anime – como o popular Takashi Murakami – se afeiçoaram ao estilo justamente pela sua cara fantasiosa e internacional. A ideia era reapropriar elementos da cultura japonesa em um novo contexto, não prestar homenagem ao passado. Sob este ponto de vista, o anime não seria uma continuação do entretenimento da era Edo mais do que os romances do George R.R. Martin seriam uma continuação das novelas de cavalaria.

canterbury tales

Quase uma série da HBO

…Ou um legado para o presente?

Continuação ou não, é difícil negar que o anime deve muito às formas de arte que o precederam. Como não poderia deixar de ser, dado sua natureza cinematográfica, isso vale em dobro para as artes cênicas.

Shigeru Mizuki, um dos “pais” do mangá ao lado de Osamu Tezuka, começou a carreira como narrador de kamishibai, performance tradicional em que uma história é contada com a ajuda de quadros desenhados. A temática youkai em que ele foi pioneiro  deve muito a sua experiência com contos populares.

kitaro

Já Eiji Otsuka, antropólogo e mangaká autor de Delivery Service of Corpse, disse que os grandes gêneros de anime (Mahou Shoujo, Slice of Life, Artes Marciais, Magical Girlfriend etc) seguem a mesma lógica de classificação das antigas peças de teatro kabuki e bunraku.

O rakugo teve uma presença menor, mas nem por isso é um estranho no universo do anime. Rakugo Tennyo Oyui,  um Mahou Shoujo que elevou o conceito de off model a um novo patamar, tinha como protagonista uma aspirante a rakugoka que ganhava poderes mágicos e era transportada ao período Edo. 

rakugo tennyo oyui

rakugo também pode ser visto em espírito, se não em forma, na enorme influência de seu gênero irmão, o manzaiTrata-se de um estilo de performance humorística quase tão antigo quanto o rakugo. Sua principal diferença é que, em vez de um monólogo, o manzai se baseia em um dupla, composta por uma personagem séria (o tsukkomi) e uma atrapalhada (o boke). 

manzai se tornou uma das bases do humor japonês contemporâneo. Preste atenção em seu anime favorito e muito provavelmente você verá que boa parte das cenas cômicas giram em torno de um sujeito ingênuo ou engraçado atiçando a raiva do amigo sério.

Takeshi-Kitano

Takeshi Kitano

Curiosidade: do manzai também veio Takeshi Kitano, diretor de Dolls Zatoichi e ator na adaptação cinematográfica de Batalha Real. Tal como o protagonista de Showa Genroku Rakugo Shinju, ele tornou-se comediante nos anos 1970. No Japão, ainda é conhecido como Beat Takeshi, seu nome de palco.

Em alguns casos, o manzai aparece com toda a sua teatralidade. Quem jogou Ni no Kuni, o game da Level-5 desenhado pelo Studio Ghibli, deve se lembrar de uma apresentação da modalidade nos Fairygrounds:

manzai tem uma grande vantagem: desde sua origem, ele sempre foi muito mais informal e adaptável a diferentes circunstâncias. O rakugo, por sua vez, tem uma estrutura bem mais rígida, algo que os criadores de Showa Genroku Rakugo Shinju parecem ter reconhecido ao fazer a obra como um drama, e não um pastelão à la Nodame Cantabile.

nodame cantabile

Que, por sinal, dá vários exemplos de ‘manzai’ entre Chiaki e Nodame

Em todo o caso, um possível sucesso da série pode significar mais do que uma excelente estreia para a abertura do ano. Showa Genroku Rakugo Shinju tem o potencial de criar um gênero próprio, e nos introduzir a uma forma completamente diferente de vibrar- e de rir – com os animes.

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“Cultura otaku” é cultura japonesa? http://www.finisgeekis.com/2015/08/10/cultura-otaku-e-cultura-japonesa/ http://www.finisgeekis.com/2015/08/10/cultura-otaku-e-cultura-japonesa/#comments Mon, 10 Aug 2015 18:42:28 +0000 http://finisgeekis.com/?p=540 Para nós, do outro lado do mundo, essa pergunta soa estranha. O Guia da Cultura Japonesa carrega uma seção inteira sobre o assunto (algo de se esperar, já que é publicado pela JBC). No bairro da Liberdade em São Paulo mangás e merchandise otaku dividem espaço com kimonos, mistura para missô e cogumelos shiitake. Mesmo os mais ávidos “militantes” anti-anime reconhecem seu carimbo nipônico: anos atrás, um deputado americano declarou que a mídia é a prova de que duas bombas não haviam sido suficientes.

O leitor pode ficar surpreso ao saber que na terra do sol nascente essa opinião tem seus contrários. Políticos como Shintaro Ishihara, ex-prefeito de Tóquio, aproveitam cada oportunidade para atacar a influência da cultura otaku na “saúde dos jovens”, a ponto de terem trocado farpas com gigantes da indústria com um projeto de lei de controle da mídia anos atrás. Ishihara não é um único: para vários japoneses, mangá e anime não são cultura japonesa “de verdade”. Para eles, não passariam de perversões ocidentais que retratam – quando não zombam – de símbolos nipônicos legítimos. O “verdadeiro Japão” não usa palavras em inglês em seu vocabulário, nem baba com garotas estilizadas de pouca roupa e heróis de topetes coloridos. Estes são costumes ocidentais – em especial, americanos – que japoneses abraçaram por vergonha, ignorância ou degeneração.

Por mais histéricos que esses críticos soem, eles não estão 100% errados. Há algo de não-japonês na cultura otaku, que abala a própria ideia de uma “cultura japonesa”. Porém, como em todas as coisas, a verdade é sempre mais complicada.

Quando os japoneses foram proibidos de ser japoneses

Hiroki Azuma, um autor que já citei aqui algumas vezes, tem uma explicação. Além de crítico especialista em cultura otaku, ele é o escritor da história que inspirou o belo anime Fractale e é parceiro de Takashi Murakami no movimento Superflat. Para aqueles que não são familiares com o mundo da arte, Murakami é um pintor que incorpora influências da animação japonesa e da cultura pop em seus trabalhos. Dá para perceber, portanto, que para ele a questão é pessoal.

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Gero tan, de Takashi Murakami

Segundo Azuma, tudo começa – como as coisas, no Japão contemporâneo, geralmente começam – com a Segunda Guerra Mundial.  Entre 1945 e 1952, o Japão esteve ocupado pelas forças armadas dos Estados Unidos. Se por um lado os americanos acabaram com a terrível censura do regime de Hirohito, por outro colocaram, eles mesmos, suas proibições. Obras “indecentes” ou que fizessem apologia ao militarismo eram proibidas de circular. Na prática, isto significou que uma boa parte da cultura que os japoneses tinham de mais cara fosse banida ou controlada, dos filmes de samurai ao próprio shintoísmo, a religião oficial do país. De um dia para outro, um povo que se via no dever de se orgulhar da própria cultura teve de aprender a esquecê-la. Não é um trauma fácil de se resolver. Para a sorte dos japoneses, eles tiveram uma ajudinha do estrangeiro.

Nos anos 1970 e 1980, um novo jeito de encarar a arte e o mundo chegou ao Japão. Esta filosofia, criada na França para pensar na loucura e histeria das novas mídias que surgiam, se baseava em uma ideia simples.

Um dia, no passado, a realidade era apenas o que havia à nossa volta. Obras de arte, escritos e entretenimento eram um tempero a mais, um toque de criatividade que curtíamos de quando em quando e que sabíamos separar do mundo que nos cercava.

Alguns séculos depois, a situação era outra. Rádio e TV viraram itens indispensáveis cujos programas nos acompanhavam dia e noite. Com os walkmen (depois CD players e iPods) a música passou a ser algo presente em cada segundo de nossas vidas. Com as telas (primeiro na sala, depois nos quartos, bolsos e relógios) nosso dia a dia deixou de ser físico para abraçar o virtual. Programas, desenhos e comerciais não eram mais um tempero: eles haviam se tornado parte da realidade. Pense só em sua infância e em quantas memórias você tem de jingles, personagens de animação, locutores favoritos ou websites. Recentemente, passamos mais tempo com vídeo, internet e arquivos mp3 do que com um mundo que existe “de verdade” e que podemos “tocar”.

Essas mudanças fizeram a cabeça de uma legião de artistas, que criaram uma arte acessível e criativa, em que nada era o que parecia e a própria existência era posta em xeque. Neste mundo, personagens interagiam com seres imaginários e manifestações dos seus próprios sentimentos. Às vezes, eles temiam estar ficando loucos. Outras vezes, eles “descobriam” que são personagens em uma história e lutavam para se libertar do autor.

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O resultado é uma “fantasia” igual a nenhuma outra. Não é mágica ou coerente como os livros de Tolkien e seus milhares de imitadores. Não é séria como a low fantasy que lida com monstros (fantásticos ou humanos). Não é “afeiçoada à pátria” e politizada como o realismo fantástico da América Latina. É, fiel à sua origem, uma mistura desvairada de cultura pop, memes, cores vibrantes e doidices aleatórias.

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Qualquer semelhança com o anime não é mera coincidência. Quando os japoneses foram apresentados a essa corrente, algo incrível aconteceu.

A “domesticação” da cultura pop

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Para artistas ansiosos em expor a cultura, modo de vida e desassosegos de seu país, porém sem saber como escapar do rótulo de “americanizados”, essa nova arte trouxe uma saída inédita. E se o mundo moderno, os arranha-céus, as palavras em inglês e  os adereços modernos – do celular aos consoles de games – pudessem se transformar em uma nova cultura? Não, obviamente, do jeito que estavam, mas caso fossem modificados um pouco, misturados aos samurai, shamisen e cerimônias do chá? Afinal, se coisas imateriais já faziam parte da realidade e se não havia mais divisão entre o mundo “real” e “digital”, por que não combinar tudo?

Desse caldeirão surgiu o anime que amamos tanto. O Japão até produzia animações antes da guerra, mas basta uma olhada para perceber que elas não tinham nada a ver com o universo vibrante de Goku, Sakura e Usagi. Obviamente, o anime não foi a única coisa a sair desse choque. Outro Murakami, o escritor Haruki, trouxe à literatura o que seu xará fez com as artes plásticas. O autor, cuja obra influenciou uma série de animes, de Haibane Renmei Angel Beats!, a ponto de ser diretamente citada no surreal Mawaru Penguindrumescreveu histórias que trouxeram Johnnie Walker, Coronel Sanders, o ataque de gás sarin no metrô de Tóquio e a campanha japonesa na Manchúria na Segunda Guerra a um mundo fantástico.

livros murakami

Livros de Murakami no anime Mawaru Penguindrum

Quase cem anos atrás, Virginia Woolf disse que a arte só começa onde termina a auto-afirmação. Muito se fala sobre preservar as “raízes”, celebrar a “nossa cultura” e acabar com as “influências de fora”. O advento do anime, no entanto, nos passa uma lição contrária. Afinal de contas, ele deu à cultura japonesa algo que ela (com exceção talvez dos trabalhos do Hokusai) nunca antes teve: popularidade inigualável no mundo inteiro. O otaku não tem país. Ele existe em qualquer parte do mundo, tal com os comerciais, mascotes, referências literárias, memes e toda a realidade recortada que celebra.

É importante ter orgulho de onde viemos e de quem somos. Mas às vezes, para compartilhar nossa experiência, nada é melhor do que deixar isso de lado por um instante.

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