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Crusader Kings – finisgeekis http://www.finisgeekis.com O universo geek para além do óbvio Mon, 25 Feb 2019 18:20:07 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=5.7.11 https://i2.wp.com/www.finisgeekis.com/wp-content/uploads/2019/02/cropped-logo_square.jpg?fit=32%2C32 Crusader Kings – finisgeekis http://www.finisgeekis.com 32 32 139639372 Por que jogos de ‘grand strategy’ são tão viciantes? http://www.finisgeekis.com/2016/06/06/por-que-jogos-de-grand-strategy-sao-tao-viciantes/ http://www.finisgeekis.com/2016/06/06/por-que-jogos-de-grand-strategy-sao-tao-viciantes/#comments Mon, 06 Jun 2016 23:29:47 +0000 http://finisgeekis.com/?p=6330 No mundo dos games, há mais na última geração do que gráficos fotorrealistas e franquias multimilionárias. Se é verdade que hoje a indústria faz parcerias com Hollywood e investe em realidade virtual, também é verdade que ela tem resgatado alguns dos mais queridos nichos de épocas passadas.

Foi o caso dos roguelites, um dos gêneros mais distantes do mundo mainstream. E é, também, o caso dos grand strategies, que pelas mãos da cada vez mais popular Paradox têm conquistado não apenas fãs de carteirinha, mas também o grande público.

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Em linhas bem gerais, grand strategies são jogos de estratégia em que assumimos o controle de toda uma unidade política. Ao contrário de jogos menores, geralmente focados apenas no movimento de tropas ou na construção de cidades, grand strategies nos entregam todas as responsabilidades esperadas de um líder. Ao mesmo tempo. 

O gênero é mais antigo do que os próprios videogames, mas sempre ocupou um nicho no mercado. Não é difícil entender por quê. Estes jogos são assustadoramente complicados, inclementes com novatos e crueis com veteranos. Numa escala de dificuldade, eles ocupam com louvor a faixa da “hard fun”.

O desafio, contudo,  não parece amedrontar os fãs. Com os lançamentos quase simultâneos de Stellaris e Hearts of Iron IV nas últimas semanas, o grand strategy parece contar com sua maior popularidade desde os anos de ouro dos jogos de tabuleiro.

Nem sempre foi assim. Quando Victoria II foi lançado, seis anos atrás, o gênero era tão obscuro que o CEO do estúdio apostou que rasparia os cabelos se o jogo desse lucro (e deu).

De fato, para quem está acostumado com a adrenalina esperada da maioria dos games, a perspectiva de ficar “encarando um mapa” por centenas de horas a fio parece absurda.

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Parece, mas não é. Não deixem o ritmo lento e os gráficos pouco inspirados enganá-los. Grand strategies são muito mais viciantes do que qualquer game de ação. E devem isto a três razões:

1) Dificuldade é algo que vicia

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Por mais estranho que pareça à primeira vista, aquilo que faz dos grand strategies tão inacessíveis é a mesma coisa que os torna tão engajantes. No final das contas, sofrer para entender um jogo é algo que nos dá prazer.

Pesquisadores descobriram que jogadores sentem enome satisfação quando estão no controle de suas experiências. Isto vale para enredos e personagens, mas também para elementos mais técnicos: a interface, os elementos de cena, os recursos, as mecânicas. Interagir com estas coisas e deixá-las do nosso agrado é, muitas vezes, uma recompensa mais importante até do que vencer o jogo.

Por si só, isso não deveria nos surpreender. Como eu já disse num artigo anterior, games agradam quando nos ensinam coisas novas. É o ato de decifrá-los, de se acostumar aos seus sistemas e encontrar soluções para seus problemas que nos incita a continuar jogando.

Nossa mente funciona decodificando padrões. Graças a esta habilidade, conseguimos enxergar formas nas nuvens, mensagens subliminares em latas de Coca-Cola e rostos em automóveis.

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Essa capacidade não é só natural, mas  também estimulante. Daí a satisfação que sentimos ao montarmos um quebra-cabeça, terminarmos um livro difícil ou aprendermos uma língua nova.

Se tarefas pequenas já nos satisfazem tanto, quando nos depararmos com a complexidade de um grand strategy, com suas mecânicas inclementes, mapas gigantescos e números para dar e vender, o “resolvedor de problemas” dentro de nós encontra seu paraíso.

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Tantos sistemas, tantos recursos… tão pouco tempo

O grand strategy é um caso extremo, mas nem de longe o único. Ao menos uma pesquisa constatou que o prazer pelo desafio é a principal razão pela qual gamers escolhem seus jogos, superando bons gráficos, competição e fantasia.

Por mais que alguns desenvolvedores tentem vender a imagem de que a dificuldade é inimiga do público, a verdade é que poucas pessoas têm problema com ela. Todos curtem um desafio. A diferença, claro, está no seu tamanho.

O designer de games Jesse Schell argumenta que existe um “ponto ótimo” de dificuldade em todo jogo. Se o game for muito difícil, nos estressamos e paramos de jogar. Se for fácil demais, nos entediamos e perdemos o interesse. A teoria não é nova e é conhecida na psicologia como estado de fluxo:

Enquanto jogadores estiverem “oscilando” dentro do fluxo, eles se sentem desafiados e estimulados. Se a seta pender para o campo da ansiedade ou do tédio, sentirão que o jogo está desbalanceado e que estão sendo punidos por progredir.

Fãs de grand strategy têm uma tolerância maior ao estresse da derrota, mas nem por isso são imunes ao tédio. Uma curva de dificuldade mal-elaborada pode fazer até mesmo um jogo difícil parecer maçante após algumas horas de imersão.

Para que isso não aconteça, é preciso que

2) Ele saiba se reinventar

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Para manter uma pessoa interessada no mesmo jogo por 600 horas, não basta desafiá-la uma única vez. É preciso que ela se sinta motivada cada vez que colocar os dedos sobre o teclado.

Em certa medida, isso sempre acontece, independente do jogo. Gamers experientes geralmente adaptam seus estilos para se manterem sempre desafiados.

Trata-se do chamado gameplay emergente, do qual já falei em outra ocasião. Quando pessoas completam o que um jogo tem a lhes oferecer, elas inventam novos objetivos por conta própria. Pode ser um desafio extra (jogar no modo Ironman) ou algo mais subjetivo (só conquistar países que comecem com a letra E)

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Sinto muito, Etiópia

Por serem complexos e imprevisíveis, grand strategies são naturalmente receptivos ao gameplay emergente. É o que admite Henrik Fahraeus, da Paradox, ao notar que uma parte das pessoas começou a jogar Crusader Kings II não pelo interesse em estratégia, mas pelo prazer de criar situações absurdas envolvendo seus monarcas:

“Inicialmente, [o público] era provavelmente nossos fãs habituais. Os jogadores de Europa Universalis que se interessaram em Crusader Kings II. E eu acho que esta é ainda a maior parte dos jogadores. (…) Mas há uma minoria significativa de role-players, ou fãs de The Sims, se você preferir.

[As histórias pessoais absurdas] é a parte do jogo que fez mais barulho. Eu não sei. É parte daquilo pelo qual o jogo ficou conhecido. A narrativa emergente e as situações malucas que surgem dali.”

Um outro caminho é desenvolver as regras de propósito para que surpreendam o jogador quando ele menos espera. Em Crusader Kings II, a invasão mongol altera completamente o equilíbrio geopolítico no mapa. Em Europa Universalis IV, a Reforma Protestante pode transformar um reino estável em uma colcha de rebeliões à espera de uma centelha.

Já em Stellaris, o game espacial da Paradox, tecnologias mais avançadas trazem um percentual de risco. Pesquisar inteligência artificial pode provocar uma rebelião das máquinas. Desenvolver novos meios de locomoção FTL, por sua vez, pode acabar abrindo uma fenda para outra dimensão, trazendo à galáxia o equivalente dos Reapers da série Mass Effect.

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“Assuming direct control”

Não fosse o bastante, toda a galáxia é criada proceduralmente no início de cada partida. Ao contrário de jogos históricos, Stellaris não nos dá a segurança de decorar um mapa e montar estratégias reaproveitáveis. Sempre que iniciamos um jogo, estamos embarcando em um desafio completamente diferente.

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Um pequeno ponto azul…

A necessidade de apresentar novos desafios explica também um dos costumes mais radicais e estapafúrdios da Paradox: seu hábito de transformar jogos em novos jogos. E não falo apenas em modding, mas em literalmente recriar títulos que já foram lançados no mercado.

Como fãs do estúdio já aprenderam do jeito mais difícil, seus games recebem patches obrigatórios que alteram completamente seu equilíbrio. Não raramente, eles fazem com que estratégias dominantes se tornem inúteis, ou que jogos inteiros tenham de ser abandonados pela metade.

O que pareceria uma loucura em qualquer outro gênero de videogame é, para os grand strategies, a solução de um problema. Ao forçar seus jogadores a aprender de novo as mecânicas fundamentais, a Paradox os mantém no estado de fluxo.

Tudo isso, claro, se o jogador se interessar o suficiente para desperdiçar semanas de sua vida em um único jogo. Para que isso aconteça é preciso que o game primeiro interesse as pessoas a ponto de convencê-las a dominar suas mecânicas.

Aqui, os grand strategies não poderiam ter tido uma referência melhor. Afinal de contas, eles estudaram com o campeão indisputável em gameplay viciante.

3) Intervalos de recompensa

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Como todos já devem suspeitar, jogos de azar não são exatamente aleatórios. Na maioria das vezes, essas máquinas são programadas para “ganhar” em vezes específicas e para “perder” em todas as outras.

Isso vale não só para caça-níqueis, mas até mesmo para as insuportáveis garras de parque de diversões. Embora pareça uma questão de mira e habilidade, obter o maldito ursinho de pelúcia não depende de nós, mas da máquina. Suas garras são desenvolvidas para soltar o prêmio de propósito em determinadas tentativas.

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Obviamente, pessoa nenhuma aceitaria jogá-las se não tivesse pelo menos uma chance de lucro.  Para garantir que isso não aconteça, caça-níqueis e afins adotam  “intervalos” de recompensa, programas que determinam a frequência com que farão seus jogadores pensar que tiraram a sorte grande.

Claro, o “roteiro” que esses aparelhos seguem não é sempre fixo. Do contrário, qualquer um poderia fazer uma fortuna levando um caderno até o cassino e anotando os resultados turno a turno até desvendar o código.

Uma estratégia muito usada para complicar as coisas é começar com intervalos bem pequenos, fazendo o jogador acreditar que está com sorte e baixar a guarda. A partir daí, ganhar se torna progressivamente mais difícil, exigindo mais e mais moedas para retornos cada vez mais raros.

A grande sacada, como apontam os especialistas, é o que o jogador  não percebe que está sendo enganado. Cada fracasso passa a sensação de ser uma “quase vitória”, um passo extra que os aproxima do jackpot. Afinal de contas, se eles já ganharam uma vez, ganhar uma segunda é apenas questão de tempo.

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Qualquer semelhança com videogames não é mera coincidência. Considerando que máquinas de aposta não deixam de ser, à sua própria maneira, jogos eletrônicos, não é de se espantar que desenvolvedores tenham aprendido com os cassinos.

Quase todos os games usam e abusam de intervalos de recompensa, mas grand strategies são espetáculos à parte. Estes intervalos são o princípio por traz dos sistemas de level-up, da “chance de sucesso” de agentes, dos custos e prazos de edifícios a serem construídos.

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Algumas das upgrades de Crusader Kings II são tão caras, tão demoradas e tão pobres em retorno que sequer compensam o preço exigido para contrui-las. Sua função não é ser útil ao jogador, mas mantê-lo ocupado após 85h de jogo e metade do mapa conquistado.

O já mencionado Stellaris talvez seja o melhor exemplo. Como seria de se esperar de um game ambientado no futuro espacial, um de seus temas fundamentais é a pesquisa científica. Ao mesmo tempo em que batalham contra aliens e colonizam novos sistemas, os jogadores passarão uma boa parte de seu tempo decidindo quais tecnologias desejam ter a seu serviço.

O problema é que o tempo de tecnologia aumenta progressivamente a cada nível. Se no início do jogo é possível fazer grandes avanços no intervalo de alguns minutos, pesquisas avançadas demandam um tempo monstruoso para darem resultado.

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Só mais 107 meses!

Animados pela satisfação do início do jogo, somos incentivados a continuar jogando, mesmo que os desafios em si já tenham se esgotado – e o jogo, se transformado em uma espera interminável.

Não é à toa que, tal como fãs de MMORPG e jogos de mundo aberto, veteranos de grand strategy muitas vezes sentem que estão em um segundo emprego. O impressionante não é que estes jogos consigam nos provocar um sentimento tão agridoce de emoção misturada ao tédio, mas que continuamos a jogar – felizes – a despeito disso.

Portanto, da próxima vez que sentar  para uma breve jogatina e descobrir que seis horas se passaram enquanto você restaurava o Império Romano, não se sinta culpado. Para um fã de história ou raciocínio estratégico, um grand strategy fala mais alto que qualquer caça-níquel.

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Talvez seja hora de dar um tempo…

 

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‘Darkest Dungeon’ e a importância dos roguelites para os games http://www.finisgeekis.com/2016/02/01/darkest-dungeon-e-a-importancia-dos-roguelites-para-os-games/ http://www.finisgeekis.com/2016/02/01/darkest-dungeon-e-a-importancia-dos-roguelites-para-os-games/#comments Mon, 01 Feb 2016 21:43:47 +0000 http://finisgeekis.com/?p=1788 Um grupo de aventureiros decide desbravar as ruínas de um castelo em busca de tesouro. Seria a premissa de 90% dos dungeon crawlers do mercado, não fosse alguns pequenos detalhes:

Os aventureiros são humanos e podem ter um colapso nervoso caso encontrem alguma grande abominação. O progresso é permanente e não permite que recorramos a um save anterior. Os dungeons são mais repletos de armadilhas do que a mente de um mestre de RPG de mal humor, e a inteligência artificial parece ter o gênio de um sádico.

Assim Darkest Dungeon, de RPG genérico, se mostra um lançamento de peso para o começo do ano. O jogo, que já colecionava elogios em sua versão early access, é um roguelite ambientado em um cenário gótico, com ênfase no terror psicológico.

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“Terror” esse que afeta não o jogador, mas as personagens em si. Em Darkest Dungeon, o objetivo é explorar as masmorras e cavernas em torno da antiga mansão de uma família amaldiçoada. Além do perigo de morte,  os aventureiros precisam lidar com o estresse. Cada contratempo, de uma tocha que se apaga ao sucesso decisivo de um monstro, aumenta o desarranjo mental dos heróis. Caso se torne muito alto, eles começam a perder a sanidade.

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O jogo conta com cenários randomizados, de forma que nenhuma expedição será igual a outra (e nenhum detonado estará lá para nos ajudar). A sorte desempenha um papel excepcional, e pode transformar qualquer batalha em uma luta de vida ou morte.

Os riscos são tão grandes que fazem de Darkest Dungeon um dos poucos RPGs que não recompensam o jogador por “sair da rota”.

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Bifurcação? Passo

Contudo, o mais intrigante não é o que o jogo apresenta de novo, mas sim o que tem de comum com outros de seu gênero, os peculiarmente batizados roguelitesDarkest Dungeon faz parte de um movimento que parece atingir, finalmente, sua maturidade, e cujo impacto na indústria de games talvez vá muito além dos dungeons crawlers.

Para entendê-lo hoje, no entanto, é preciso saber de onde veio.

Roguelikes: O que são, de onde vêm

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Como o nome já sugere, roguelike é o nome dado a jogos que seguem o espírito de Rogue, um RPG clássico lançado nos anos 1980. Em nossa época de fotorrealismo, motion capture e tutoriais infinitos, o game pode parecer quase indecifrável.

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Simulando a expedição de um aventureiro por um dungeon, Rogue foi criado inteiramente em código ASCII e deixa quase tudo à cargo da imaginação. Não há “segundas chances” ou recurso aos detonados: as salas dos dungeons são geradas aleatoriamente a cada novo jogo, e a morte é permanente.

Se esses jogos passam a impressão de serem impossíveis, é porque estão fazendo bem o seu trabalho. A primeira coisa que precisamos ter em mente para entender os roguelikes é que seus fãs os levam muito a sério.

Não apenas os jogadores, que podem passar horas, dias ou mesmo semanas decifrando games que estão entre os mais difíceis do mercado. Seus criadores, também, demonstram um purismo quase sem precedente com as suas obras. Quão grande? A ponto de terem organizado uma conferência internacional para definir o gênero.

A Conferência Internacional de Desenvolvimento de Roguelikes (IRDC, na sigla em inglês) foi feita pela primeira vez em 2008 e é realizada até hoje. Na sua primeira edição, definiu roguelike “clássico” como qualquer jogo que tenha:

                – Gameplay baseado em turnos

                – Um “grid” hexagonal ou octogonal

                – Morte Permanente

                – Cenários procedurais (i.e. gerados randomicamente)

                – Inventário limitado

E mais uma pequena lista de características, incluindo jogabilidade hack n’ slash, mecânicas de exploração e descoberta, problemas com soluções múltiplas e modo single player. Os mais tradicionais incluem ainda temática de dungeon e mesmo o uso exclusivo da interface ASCII.

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Aí também já é demais

Nem todos os roguelikes seguem à risca a “Interpretação de Berlin”, como foi chamada a classificação. Mesmo assim, a fórmula básica de Rogue, com pequenas variações, serviu de base para vários sucessos hardcore nos anos 1980 e 1990, como NetHack, ADOM, Moria e Angband.

Alguns desses jogos conquistaram um público fiel, que os expandiu e repaginou com o passar dos anos. Nethack, um dos mais populares do gênero, chegou até a ganhar uma interface isométrica.

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No fim dos anos 1990, os roguelikes, desde sempre uma paixão de nicho, fecharam-se a um público ainda mais seleto. Isto talvez tenha se dado, em parte, graças à popularidade de seu sucessor espiritual, Diablo. Concebido por um fã de Rogue e Moria, o hit da Blizzard trouxe os dungeons crawlers ao muito mais acessível universo do point-and-click. Em uma era de exuberância visual e curvas de dificuldade piedosas, os velhos games em ASCII tornaram-se um desafio peitado apenas pelos mais valentes.

Um analista desavisado poderia apostar no fim do gênero na cena mainstream. Isso talvez acontecesse,  não fosse a gigantesca nostalgia de desenvolvedores independentes pela década de 1980. Com o boom de jogos indie no fim dos anos 2000, foi questão de tempo até que roguelikes voltassem à linguagem corrida.

spelunky.pngAs honras vieram com Spelunky, jogo de plataforma com morte permanente e níveis randomizados que se mostrou incrivelmente popular. O jogo não era um roguelike, e nem se apresentava como tal, mas ressuscitou elementos caros ao velho estilo a uma nova geração.

O sucesso abriu as portas para vários games do mesmo gênero, alguns dos quais se sagrariam como marcos: The Binding of Isaac, Rogue Legacy, FTL, Sunless Sea (de que já falei antes) e, por fim, o próprio Darkest Dungeon.

Esses roguelike-likes, roguelites, ou neo-rogues, como já foram chamados, não seguem à risca a cartilha do estilo. Antes, como tudo na indústria contemporânea, eles se apropriam dos elementos que mais gostam, recombinando-os com novidades ou elementos de outros gêneros.

Para alguns, a sua popularidade é um sinal dos tempos. Há quem diga que vivemos em uma “renascença do roguelike”. Já Mike Mahardy, da IGN, acredita que o gênero é a cabeça de uma nova contracultura.  Há algo no estilo, com toda a sua simplicidade e dificuldade, que parece apontar para o futuro dos games. Ou, pelo menos, para um presente diferente, transformado por mudanças.

Mas que mudanças, afinal, seriam essas?

Contracultura ou contrarreforma?

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A primeira coisa que salta aos olhos, obviamente, é o “retorno da dificuldade”. Entre a “revolução casual” em sua busca por novos públicos e a popularização de ficção interativa com o mínimo de gameplay, a inclemência dos games das gerações 8-bit e 16-bit pareceu ter se tornado coisa do passado.

O sucesso estrondoso da série Souls, no entanto, provou que havia uma demanda para jogos sofridamente difíceis. E o mercado indie, em sua nostalgia pelos “bons tempos” do passado, trouxe de volta jogos desafiadores tal como já havia feito com platformers adventure games. Nesse sentido, Darkest Dungeon é apenas o mais novo passatempo para fãs da filosofia “losing is fun”.

Porém, dizer que o impacto dos roguelikes/lites se resume à dificuldade é injusto. Em primeiro lugar, não só a “renascença de roguelikes” não é uma ameaça aos games casuais, como vários roguelites foram lançados para plataformas mobile. Não só isso, o próprio Glenn Wichman, criador de Rogue, chegou a ser contratado pela Zynga.

Em segundo lugar, há razões para acreditar que os novos rogues atendem a um outro desejo, um tanto mais sutil.

O “jogo puro” e as narrativas emergentes

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A pista está em uma entrevista com Henrik Fahraeus, um dos criadores de Crusader Kings II. Fiel à linha de seu estúdio, a Paradox, CKII foi desenvolvido como uma complexo jogo de estratégia sobre a Idade Média, permitindo a seus jogadores encarnar os líderes de qualquer reino ou província da época. Uma atenção desmesurada foi dada a cada mecânica para garantir que a simulação fosse o mais verossímil possível.

Para a surpresa de Fahraeus, o jogo foi um sucesso absoluto, vendendo mais de 1 milhão de cópias. Para a sua surpresa ainda maior, parte desses jogadores não tinham o menor interesse em história, muito menos em Idade Média.

Eles gostavam do jogo porque o achavam um ótimo roguelite. 

Nas palavras de Fahraeus:

Eu provavelmente passei tempo demais desenvolvendo e pensando sobre os outros aspectos do jogo que as pessoas não acham muito interessante, embora sejam bem complexos. Foi provavelmente um erro ter colocado tanto tempo naquilo. O mesmo vale para os sistemas de tecnologia e de leis que estão no jogo. Eu meio que persegui algumas pistas falsas tentando agradar ao velho público dos games históricos de estratégia.

Eu deveria, em retrospecto, ter gasto mais tempo tentando desenvolver a narrativa emergente. Se eu pudesse refazer alguma coisa, provavelmente seria isso.

O que Fahraeus chama de “narrativas emergentes” são histórias que vivemos nos jogos, mas que não foram “escritas” pelos desenvolvedores. Enquanto que jogos tradicionais têm uma estrutura fechada, com começo meio e fim, cutscenes e pontos de escolha, outros preferem uma abordagem mais anárquica.

Jogos sem fim definido, com mecânicas baseadas na probabilidade, muitas variáveis e liberdade de escolha geralmente deixam as coisas ao acaso. A “história” não é prevista, ela “acontece” à medida que jogamos.

Crusader Kings II é um exemplo disso. O jogo não tem missões, eventos obrigatórios, fases ou níveis tecnológicos. Tudo está à mercê do rolar do dado. Por consequência, cada começo dará início à sua própria trajetória, completamente diferente da anterior.

Qualquer semelhança com os roguelites não é mera coincidência. Os cenários de Crusader Kings II não são procedurais, mais o número de variáveis é tão grande que a chance do mesmo jogo se repetir é nula. Adicione a isso o fato de interpretarmos personagens humanas (e não reinos ou inteligências divinas, como em Age of Empires) e temos um gerador de histórias pessoais e randômicas. Para os puristas de roguelikes, basta ativar o modo Ironman (que desabilita saves manuais) para trazer de volta o velho permadeath.

A popularidade dos roguelites na cena indie pode significar não apenas uma demanda por jogos mais difíceis. Ela pode indicar, também, o desejo por “histórias gamísticas” em que o jogador interpreta um papel maior do que o de simples espectador.

O apelo de tais histórias é óbvio. Como eu já disse algumas vezes, elas reproduzem o espírito dos RPGs de mesa e das brincadeiras de faz-de-conta melhor do que qualquer jogo tradicional com suas escolhas binárias jamais fará.

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Que essa “renascença dos roguelikes” esteja acontecendo agora, na década de 2010, pode apontar para uma virada importante. Na década passada, o fotorrealismo, a presença de atores de Hollywood na dublagem e os dramas interativos passaram a impressão de que a indústria de games precisavam seguir a do cinema. O jogo “cinemático” virou um paradigma para os novos tempos.

Roguelites são interessantes por serem o exato oposto dessa visão. De uma certa maneira, eles são jogos “puros”, em que tudo (ou quase tudo) é um desdobramento de suas mecânicas. Cutscenes são raras, recursos cinemáticos são mínimos, o controle autoral é inexistente. Todo o seu potencial expressivo vem do gameplay.

Se nada mais, apenas por nos lembrar desse caminho alternativo os roguelites já provaram sua importância.

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Sonhos e pesadelos http://www.finisgeekis.com/2015/02/23/sonhos-e-pesadelos/ http://www.finisgeekis.com/2015/02/23/sonhos-e-pesadelos/#comments Mon, 23 Feb 2015 11:47:54 +0000 http://finisgeekis.com/?p=58 Os velhos RPGs de mesa não são o hobby mais popular do momento. As regras são complicadas, os veteranos nem sempre são receptivos aos iniciantes e a simples proeza de se reunir regularmente com um grupo de amigos por horas a fio é um desafio a qualquer adulto. Mesmo assim, há uma razão para avivarem a nostalgia dos que cresceram com eles e a curiosidade dos novatos. Suas possibilidades são tão vastas quando desejaram os jogadores. As regras existem como pretexto, nunca como jaula. Mais do que qualquer outro tipo de jogo, eles têm limites apenas na imaginação de seus participantes. E sessão após sessão, na medida em que uma história coletiva é esboçada, o tradicional “jogo de interpretação” se aproxima das brincadeiras de faz-de-conta que todos curtimos na infância.

É compreensível, portanto, que tanto egressos de RPGs de mesa quando saudosos de faz-de-conta se sintam ligeiramente insatisfeitos com o mundo dos videogames. Por mais sofisticado que seja, um software é sempre um software, e seus limites jamais serão páreo a uma mente fértil. Um mundo virtual é sempre o mesmo, independente de quantas vezes o visitamos. A ilusão de escolha sacia a imaginação, mas apenas por um tempo. Basta um pouco de familiaridade para percebermos que as ações de nosso avatares são contáveis; seus caminhos, binários, e os desfechos de sua jornada, predestinados. Quanto mais os jogos se estabelecem como sucessores do cinema e os gamers se rendem aos confortos da linguagem cinematográfica (com suas trilhas sonoras, dublagem e arcos narrativos lógicos), mais o jogador, de protagonista, passa a espectador.

Nem mesmo criadores fogem aos resmungos. Susan O’Connor, escritora de títulos com Bioshock e Tomb Raider, desabafou em termos parecidos um tempo atrás. Videogames, diz ela, transformam o impossível em possível. Caso nós os explorássemos bem, eles seriam quase como sonhos. A imagem é bonita, mas carrega algo mais. Sonhos não são apenas ilimitado, eles são também imprevisíveis, incontroláveis e, por vezes, terríveis. Basta uma noite mal dormida ou uma preocupação fixa para que virem pesadelos. Uma vez que chegado a esse ponto, acordar se torna uma aventura em si. Daí a pergunta: e se os games fossem de fato como sonhos? Aleatórios, inesperados, capazes de nos apavorar ou emocionar sem qualquer aviso? Seriam assustadores, talvez. Entendiantes, jamais.

‘Legos’ Narrativos

A sacada veio de Ken Levine, criador do aclamado Bioshock e ex-colaborador de Susan. Ao contrário de jogos narrativos, games de estratégia não têm caminhos traçados ou finais predeterminados. As variáveis são tamanhas que as possibilidades são praticamente infinitas. Jogue Civilization 100 vezes e você terá 100 experiências diferentes. E se o jogador decidir colocar seu percurso no papel – criando um AAR, ou after action report, como dizem os fãs do gênero? Eis que a experiência se transforma em uma história. E se, em vez de países ou potências globais, o jogo em questão tratar de pessoas? Daí, em vez de um épico nacional, temos a história de um indivíduo, um casal ou uma família, com todas as suas peripécias, amarguras e desencontros.

Se os analistas medievais soubessem que seu trabalho seria substituído por um jogo...

Se os analistas medievais soubessem que seu trabalho seria feito por um jogo…

O resultado é uma máquina de fazer narrativas que oferece oportunidades que nem o mais livre dos faz-de-contas consegue emular. São os lances de dados do RPG, multiplicados ao extremo e aplicados a tudo. É a própria frieza do computador, em seus cálculos e processos, que molda o caminho a ser seguido.

A ideia não é inédita. Roguelites, como tais jogos são chamados, são aventuras randomizadas. Dos itens iniciais e personagens encontrados no percurso aos próprios cenários e mapa mundi, quase tudo é (ou pode ser) gerado a cada interação. As possibilidades não são ilimitadas, mas são justamente os limites que tornam a experiência interessante. O jogador pode ir longe, abençoado de início pela boa sorte, ou encontrar seu fim em questão de minutos. Tal como, quando fechamos os olhos à noite, nós nos flagramos torcendo por bons sonhos e temendo nossos piores pesadelos.

O mar não é um amigo

O recente Sunless Sea leva o princípio um passo adiante. Não por ser inovador – na verdade, é um roguelite bem convencional – mas pela escolha de assunto. O jogo é um spin-off de Fallen London, espécie de visual novel de browser com alguns elementos de RPG. Na trama, a cidade de Londres vitoriana foi roubada por morcegos e transposta a um mundo subterrâneo. O jogador encarna um explorador do underzee, um mar das profundezas que separa a cidade caída de outros refúgios exóticos da civilização. O resultado é um encontro de Neverwhere de Neil Gaiman com O Chamado de Cthullu de H.P. Lovecraft, uma jornada steampunk por riquezas e conhecimento na sombra de criaturas abissais, loucura e o pior que a natureza humana tem a oferecer.

O underzee é mutável e se rearranja de tempos em tempos. Para refletir isso, a cada novo jogo o mapa é randomicamente gerado. Nenhuma das muitas ilhas encontráveis tem localização fixa: cada nova jornada é uma aventura do zero, e o jogador deve contar apenas com sua coragem. Não existem garantias. Cada zarpada é um passo em potencial em direção a um horror ancestral e inominável, ou problemas mundanos (mas não menos mortais) como fome e motins.

Se Sunless Sea nos choca – para o bem ou para o mal – isso diz menos respeito ao jogo do que a um fenômeno crucial do atual mundo de games. À medida que os jogos largaram seu “espírito de fliperama”, a promessa de desafio perdeu sua centralidade. Se anteriormente terminar o jogo era uma façanha que ganhava o respeito de todo um círculo de amigos, hoje se tornou o mínimo. Se segredos de games davam origem a verdadeiras teorias de conspiração, agora são escrutinizados em wikis especializadas. Se discos eram acompanhados de manuais com mais de cem páginas, hoje a trivialidade se tornou a nova regra, e ninguém é esperado a gastar mais de duas horas entendendo um título. Do protagonista que se tornou espectador, o gamer só reteve o desejo de controle: da progressão da personagem, dos rumos da história, da gravidade dos desafios, da certeza de um desfecho favorável e de um sorriso no rosto. Se há duas décadas o gamer foi um pioneiro, hoje é um paisagista: seu papel não é desbravar uma terra selvagem, mas curtir um minimundo à sua imagem. E reclamar quando não o encontra.

Roguelites como Sunless Sea impressionam porque nos tiram o controle. Não há aqui finais felizes ou atalhos misericordiosos. Seus mundos virtuais não são playgrounds, mas florestas inexploradas onde os fracos não têm vez. Isso é possível justamente graças à sua proceduralidade: sua composição aleatória, ditada pelo software. Esta frieza os torna mais versáteis que games normais, porém muito mais incoerentes – e, por isso mesmo, imprevisíveis – que uma narrativa humana, organizada por um mestre de RPG. Susan O’Connor pode ter exagerado ao declarar que games fazem do impossível o possível. No entanto, a linguagem procedural e suas várias aplicações mostram que oferecem algo único… e inclementemente divertido.

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